O príncipe dos poetas, Camões, em versos pungentes, se une à dor da Virgem com o filho crucificado. E, numa súplica, apela a todos que, pela Paixão de Cristo, independentemente das crenças, se unam numa só fé.
[...]
Mas qual
será o humano que as querelas
Da
angustiada Virgem contemplasse,
Sem se mover
a dor e mágoa delas?
E que dos
olhos seus não destilasse
Tanta cópia
de lagrimas ardentes,
Que
carreiras no rosto sinalasse?
Oh quem lhe
vira os olhos refulgentes
Convertendo-se em fontes, e regando
Aquelas
faces belas e excelentes!
Quem a
ouvira com vozes ir tocando
As estrelas,
a quem responde o Céu,
Co'os
acentos dos Anjos retumbando!
Quem vira
quando o puro rosto ergueu
A ver o
Filho, que na Cruz pendia,
Donde a
nossa saúde descendeu!
Que mágoas
tão chorosas que diria!
Que palavras
tão míseras e tristes
Para o Céu,
para a gente espalharia!
Pois que
seria, Virgem, quando vistes
Com fel
nojoso, e com vinagre amaro
Matar a sede
ao Filho que paristes?
Não era este
o licor suave e claro,
Que para o
confortar então daríeis
a quem vos
era, mais que a vida, caro.
Como, Virgem
Senhora, não corríeis
A dar as
puras tetas ao Cordeiro,
Que padecer
na Cruz com sede víeis?
Não era só,
não, esse o verdadeiro
Poto, que
vosso Filho desejava.
Morrendo por
o Mundo em um madeiro;
Mas era a
salvação que ali ganhava
Para o
misero Adão, que ali bebia
Na fonte que
do peito lhe manava.
Pois, ó pura
e Santíssima Maria,
Que, enfim,
sentistes esta mágoa quanto
A grave
causa dela o requeria;
Dessa Fonte
sagrada, e peito santo,
Me alcançai
uma gota, com que lave
A culpa que
me agrava, e pesa tanto.
Do licor
salutífero, e suave
Me abrangei,
com que mate a sede dura
Deste mundo
tão cego, torpe, e grave.
Assim,
Senhora, toda criatura
Que vive, e
viverá, e que não conhece
A Lei de
vosso Filho a abrace pura;
O falsíssimo
herege, que carece
Da graça, e
com danado, e falso espírito
Perturba a
Santa Igreja, que floresce;
O povo
pertinaz no antigo rito,
Que só o
desterro seu, que tanto dura,
Lhe diz que
é pena igual ao seu delito;
O torpe
Ismaelita, que mistura
As Leis, e
com preceitos tão viciosos
Na terra
estende a seita falsa, e impura;
Os idolatras
maus, supersticiosos,
Vários de
opiniões, e de costumes,
Levados de
conceitos fabulosos;
As mais
remotas gentes onde o lume
Da nossa Fé
não chega, nem que tenham
Religião
alguma se presume;
Assim todos,
enfim, Senhora, venham
A confessar
um Deus crucificado,
E por nenhum
respeito se detenham.
E de um, e
de outro o vício já deixado,
O seu Nome,
co'o vosso neste dia,
Seja por
todo o Mundo celebrado:
E respondam
os Céus: JESUS, MARIA.CAMÕES, in Poesias Líricas Selectas. Disponível no seguinte endereço
Imagem: Pietà de Bouguereau
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