sábado, 4 de abril de 2015

Contemplação Virgem Dolorosa



O príncipe dos poetas, Camões, em versos pungentes, se une à dor da Virgem com o filho crucificado. E, numa súplica, apela a todos que, pela Paixão de Cristo, independentemente das crenças, se unam numa só fé.

[...]
Mas qual será o humano que as querelas
Da angustiada Virgem contemplasse,
Sem se mover a dor e mágoa delas?

E que dos olhos seus não destilasse
Tanta cópia de lagrimas ardentes,
Que carreiras no rosto sinalasse?

Oh quem lhe vira os olhos refulgentes
Convertendo-se em fontes, e regando
Aquelas faces belas e excelentes!

Quem a ouvira com vozes ir tocando
As estrelas, a quem responde o Céu,
Co'os acentos dos Anjos retumbando!

Quem vira quando o puro rosto ergueu
A ver o Filho, que na Cruz pendia,
Donde a nossa saúde descendeu!

Que mágoas tão chorosas que diria!
Que palavras tão míseras e tristes
Para o Céu, para a gente espalharia!

Pois que seria, Virgem, quando vistes
Com fel nojoso, e com vinagre amaro
Matar a sede ao Filho que paristes?

Não era este o licor suave e claro,
Que para o confortar então daríeis
a quem vos era, mais que a vida, caro.

Como, Virgem Senhora, não corríeis
A dar as puras tetas ao Cordeiro,
Que padecer na Cruz com sede víeis?

Não era só, não, esse o verdadeiro
Poto, que vosso Filho desejava.
Morrendo por o Mundo em um madeiro;

Mas era a salvação que ali ganhava
Para o misero Adão, que ali bebia
Na fonte que do peito lhe manava.

Pois, ó pura e Santíssima Maria,
Que, enfim, sentistes esta mágoa quanto
A grave causa dela o requeria;

Dessa Fonte sagrada, e peito santo,
Me alcançai uma gota, com que lave
A culpa que me agrava, e pesa tanto.

Do licor salutífero, e suave
Me abrangei, com que mate a sede dura
Deste mundo tão cego, torpe, e grave.

Assim, Senhora, toda criatura
Que vive, e viverá, e que não conhece
A Lei de vosso Filho a abrace pura;

O falsíssimo herege, que carece
Da graça, e com danado, e falso espírito
Perturba a Santa Igreja, que floresce;

O povo pertinaz no antigo rito,
Que só o desterro seu, que tanto dura,
Lhe diz que é pena igual ao seu delito;

O torpe Ismaelita, que mistura
As Leis, e com preceitos tão viciosos
Na terra estende a seita falsa, e impura;

Os idolatras maus, supersticiosos,
Vários de opiniões, e de costumes,
Levados de conceitos fabulosos;

As mais remotas gentes onde o lume
Da nossa Fé não chega, nem que tenham
Religião alguma se presume;

Assim todos, enfim, Senhora, venham
A confessar um Deus crucificado,
E por nenhum respeito se detenham.

E de um, e de outro o vício já deixado,
O seu Nome, co'o vosso neste dia,
Seja por todo o Mundo celebrado:
E respondam os Céus: JESUS, MARIA.

CAMÕES, in Poesias Líricas Selectas. Disponível no seguinte endereço
Imagem: Pietà de Bouguereau

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